terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Palavra de Vida - Dezembro

«Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu» [Mt 5, 16]. (1)

(…)
A luz manifesta-se nas “boas obras”. Resplandece através das boas obras realizadas pelos cristãos.
Podem dizer-me: «Mas não são só os cristãos que realizam boas obras. Há outras pessoas que colaboram no progresso, constroem casas, promovem a justiça…».
É verdade. O cristão, sem dúvida, faz também tudo isto e deve fazê-lo. Mas não é só essa a sua função específica. Ele deve realizar as boas obras com um espírito novo: aquele espírito que faz com que não seja ele a viver em si próprio, mas Cristo nele.
De facto, o evangelista não se refere apenas a actos de caridade isolados (como visitar os presos, vestir os nus ou outra obra de misericórdia qualquer, de acordo com as exigências actuais). Refere-se à adesão total da vida do cristão à vontade de Deus, de modo a fazer com que toda a sua vida seja uma boa obra.
Se o cristão assim fizer, será “transparente”, e o louvor que obtiver com as suas acções destina-se, não a ele propriamente, mas a Cristo nele. E, através dele, Deus estará presente no mundo. A função do cristão é, pois, deixar transparecer esta luz que existe nele, ser o “sinal” desta presença de Deus entre os homens.

«Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu».

Se as boas obras de cada cristão têm esta característica, também a comunidade cristã no meio do mundo deve ter essa mesma função específica: revelar, através da sua vida, a presença de Deus, que se manifesta onde dois ou três estiverem unidos no Seu nome. Uma presença que foi prometida à Igreja até ao fim dos tempos.
A Igreja primitiva dava muito relevo a estas palavras de Jesus. Sobretudo nos momentos difíceis, quando os cristãos eram caluniados, ela exortava-os a não reagirem com a violência. A melhor contestação ao mal que se dizia contra eles deveria ser o seu comportamento.
Lê-se na carta a Tito: «Exorta igualmente os jovens a serem moderados, apresentando-te em tudo a ti próprio, como exemplo de boas obras, de integridade na doutrina, de dignidade, de palavra sã e irrepreensível, para que os adversários fiquem confundidos, por não terem nada de mal a dizer de nós» (2).

«Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu».

Também nos nossos dias, a luz para levar os homens a Deus é a vida cristã vivida. Conto-vos um pequeno episódio.
A Antonieta nasceu na Sardenha mas, por motivos de trabalho, foi para Grenoble, na França. Foi trabalhar para um escritório onde havia muita gente que não tinha vontade de trabalhar. Sendo cristã, procurava ver Jesus em cada pessoa, para O servir. Ajudava todos e estava sempre calma e sorridente. Às vezes, havia quem se zangasse, levantasse a voz e se vingasse nela, ironizando: «Já que gostas de trabalhar, toma lá, bate à máquina também o meu trabalho!».
Ela calava-se e trabalhava. Sabia que não eram maus. Provavelmente cada um teria as suas contrariedades.
Um dia, o chefe de secção foi ter com ela, quando os outros não estavam, e perguntou-lhe: «Agora diga
-me como consegue sorrir sempre e nunca perder a paciência?». Ela rodeou a questão dizendo: «Procuro manter-me calma e ver as coisas pelo lado bom». O chefe de secção bateu com o punho na secretária e exclamou: «Não! Deve ter qualquer coisa a ver com Deus. De outra maneira, seria impossível! E eu que não acreditava em Deus!».
Alguns dias mais tarde, a Antonieta foi chamada à direcção e disseram-lhe que ia ser transferida para outra secção, «para que – continuou o director – a transforme tal como fez com aquela onde está agora».

«Brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu».

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Agosto de 1979, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. II, Città Nuova, Roma 1982, pp. 53-55; 2) Tt 2, 6-8.

domingo, 1 de novembro de 2009

Palavra de Vida - Novembro

«É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu» [Mt 19, 24]. (1)

(…)
Faz-nos impressão ouvir esta frase? Penso que temos razão em ficar admirados e talvez em pensar naquilo que deveríamos fazer. Jesus nunca disse nada só por dizer. Por isso, é preciso levarmos estas palavras a sério, sem pretender diluí-las.
Mas procuremos compreender o seu verdadeiro sentido a partir do próprio Jesus, pelo modo como Ele se comportava com os ricos. Ele visitava também pessoas abastadas. A Zaqueu, que deu só metade dos seus bens, Jesus disse: a salvação entrou nesta casa.
Além disso, os Actos dos Apóstolos testemunham que, na Igreja primitiva, a comunhão dos bens era livre e, portanto, não se exigia a renúncia concreta a tudo o que se possuía.
Jesus não tinha, pois, a intenção de fundar apenas uma comunidade de pessoas chamadas a segui-Lo (…), que deixassem de lado todas as riquezas. No entanto, diz:

«É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu».

Então o que é que Jesus condena? Não condena, com certeza, os bens da Terra em si, mas sim o rico que está apegado aos bens.
E porquê?
É claro: porque tudo pertence a Deus! E o rico, pelo contrário, comporta-se como se as riquezas fossem suas.
A verdade é que as riquezas ocupam, facilmente, o lugar de Deus no coração humano. Elas cegam e predispõem a pessoa para todos os vícios. Paulo, o Apóstolo, escreveu: «Os que querem enriquecer caem na tentação, na armadilha e em múltiplos desejos insensatos e nocivos que precipitam os homens na ruína e na perdição. Porque a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições» (2).
Já Platão tinha afirmado: «É impossível que um homem extraordinariamente bom seja ao mesmo tempo extraordinariamente rico».
Qual deve ser, então, a atitude de quem possuir bens? É preciso que tenha o coração livre, totalmente aberto a Deus, que se sinta unicamente administrador dos seus bens e saiba, como disse João Paulo II, que sobre eles paira uma hipoteca social.
Os bens desta Terra, não sendo um mal em si, não devem ser desprezados. Mas é preciso usálos bem. Não são as mãos, mas sim o coração é que deve estar longe dele.

«É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino do Céu».

Mas cada um pode dizer: eu, realmente, não sou nada rico e, por isso, estas palavras não me dizem respeito.
Prestem atenção. A pergunta que os discípulos, estupefactos, fizeram a Cristo, logo a seguir a esta Sua afirmação, foi: «Então, quem pode salvar-se?» (3). Ela mostra claramente que estas palavras se dirigiam um pouco a todos.
Mesmo os que deixaram tudo para seguir Cristo podem ter o coração apegado a mil e uma coisas. Até um pobre, que blasfema porque lhe tocaram na sacola, pode ser um rico diante de Deus.
(…)

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Julho de 1979, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. II, Città Nuova, Roma 1982, pp. 41-43; 2) 1 Tm 6, 9-10; 3) Mt 19, 25.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Palavra de Vida - Outubro - com fotografias

Para os mais jovens aqui fica a Palavra de Vida deste mês - adaptação ao comentário de Chiara Lubich - ilustrada com fotografias. Pode fazer-se o download para o computador ou clicar em cima para ver a imagem maior.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Palavra de Vida - Outubro

«Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas» [Lc 21, 19]. (1)

“Perseverança”. É a tradução da palavra grega original, que inclui também outros significados: a paciência, a constância, a resistência e a confiança.

A perseverança é necessária e indispensável quando se tem um sofrimento ou uma tentação, ou se tem a tendência para desanimar. E também quando se é aliciado pelas seduções do mundo, quando se é perseguido.

Penso que cada um de nós já se encontrou em pelo menos uma dessas circunstâncias, e por isso já experimentou que, sem a perseverança, poderia muito bem ter sucumbido. Talvez até já cedemos algumas vezes. Ou pode ser que, neste preciso momento, nos encontremos mesmo numa dessas dolorosas situações.

E então, o que fazer?

Recomeçar e… perseverar.

De outra forma não é válido para nós o nome de “cristão”.

Sabemos muito bem que: quem quer seguir Cristo deve pegar todos os dias na sua cruz, deve amar – pelo menos com a vontade – o sofrimento. A vocação cristã é uma vocação para a perseverança.

Paulo, o apóstolo, apresenta à comunidade a sua perseverança, como sinal de autenticidade cristã.

E não tem medo de a colocar no mesmo plano que os milagres.

Quando amamos a cruz e perseveramos, podemos seguir Cristo que está no Céu, e, portanto, salvarmo-nos.

«Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».


Podem distinguir-se duas categorias de pessoas: as que sentem o convite para serem verdadeiros cristãos, mas em cujas almas este convite cai como uma semente num terreno cheio de pedras. Há muito entusiasmo, semelhante a um fogo de palha, e depois não fica nada.

Por outro lado, há aquelas que recebem o convite como um terreno bom recebe a semente. E a vida cristã germina, cresce, ultrapassa as dificuldades e resiste às tempestades. Estas últimas possuem a perseverança e… «pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».

Claro que, para perseverar, não nos podemos apoiar unicamente nas nossas forças.

É necessária a ajuda de Deus.

Paulo chama a Deus: «O Deus da perseverança» (2).

É a Ele, portanto, que devemos pedir a perseverança, e Ele não deixará de no-la dar.

Porque, se somos cristãos, não nos podemos contentar com o termos sido baptizados ou com uma ou outra prática esporádica de culto ou de caridade. É necessário crescermos como cristãos. E todo o crescimento, no campo espiritual, não existe se não for no meio de provas, sofrimentos, obstáculos e batalhas.

Quem sabe realmente perseverar são aqueles que amam. O amor não vê obstáculos, não vê dificuldades, não vê sacrifícios. E a perseverança é o amor posto à prova.

(…)

Maria foi sempre e é a mulher da perseverança.

Peçamos a Deus que acenda também no nosso coração o amor por Ele. Então a perseverança, em todas as dificuldades da vida, surgirá em nós como consequência, e com ela salvaremos a nossa alma.

«Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».


Mas, além disso, a perseverança é contagiosa. Quem é perseverante encoraja também os outros a irem até ao fim.

(…)

Temos que ter metas altas. Nós só temos uma única vida e também esta é breve. Cerremos os dentes dia após dia, enfrentemos todas as dificuldades que surgirem para seguir Cristo… e salvaremos as nossas almas.

Chia
ra Lubich

1) Palavra de Vida, Junho de 1979, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. II, Città Nuova, Roma 1982, pp. 25-28; 2) Rm 15, 5.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Palavra de Vida - Setembro

«Procurai primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo»
[Mt 6, 33]. (1)

Todo o Evangelho é uma revolução. Não há comparação possível entre as palavras de Cristo e as palavras dos homens. Ouçamos esta: «Procurai primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas [as necessidades da vida] vos serão dadas por acréscimo».
A primeira preocupação das pessoas, em geral, é procurar ansiosamente aquilo que é necessário para dar segurança à sua existência. Talvez o mesmo se passe connosco. Pois bem, Jesus põe-nos perante o “Seu” modo de ver e oferece-nos o Seu modo de agir. Pede-nos uma atitude totalmente diferente daquela que é habitual, e que se deve manter não uma vez apenas, mas sempre. É esta: procurar primeiro o reino de Deus.
Quando estivermos orientados para Deus com todo o nosso ser e fizermos de tudo para que Ele reine (isto é, quando governarmos a nossa vida de acordo com as Suas leis) dentro de nós e nos outros, o Pai há-de dar-nos aquilo de que precisamos, dia após dia.
Se, pelo contrário, nos preocuparmos antes de tudo connosco, vamos acabar por tratar principalmente das coisas deste mundo e tornar-nos-emos vítimas delas. Acabaremos por ver nos bens desta Terra o “nosso” verdadeiro problema, a “finalidade” de todos os nossos esforços. E vai nascer dentro de nós a grave tentação de contar unicamente com as nossas forças e de viver como se Deus não existisse.

«Procurai primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo».

Jesus transforma completamente a situação. Se a nossa primeira preocupação for Ele, viver para Ele, então o resto vai deixar de constituir o problema principal da nossa existência. Será um “acréscimo”, ou um “acrescento”.
Será uma utopia viver assim? Será uma Palavra irrealizável, para nós, pessoas modernas, hoje, num mundo industrializado onde vigora a concorrência e se passa, muitas vezes, por crises económicas? Só quero lembrar que as dificuldades concretas de subsistência não eram muito menores para a gente da Galileia, quando Jesus pronunciou estas palavras.
Não se trata de saber se é utopia ou não. Jesus põe-nos perante a questão fundamental da nossa vida: ou vivemos para nós próprios, ou vivemos para Deus. Mas tentemos agora compreender bem esta Palavra: «Procurai primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo».
Jesus não nos leva ao imobilismo, à passividade para com as coisas terrenas, a uma conduta irresponsável ou superficial no trabalho.
Jesus quer substituir a “preocupação” pela “ocupação”, livrando-nos da ansiedade, do medo e da inquietação.
Na verdade, Ele diz: «Procurai “primeiro” o reino...».
O sentido de “primeiro” é “acima de todas as coisas”. A procura do reino de Deus é colocada no primeiro lugar e não exclui que o cristão deva também ocupar-se das necessidades da sua vida.
«Procurar o reino de Deus e a Sua justiça» significa, também, ter uma conduta conforme às exigências de Deus, que Jesus manifestou no Seu Evangelho.
Só se procurar o reino de Deus é que o cristão pode experimentar o maravilhoso poder de Deus em seu favor.
Vou-vos contar um episódio.
Passou-se já há bastante tempo, mas tem uma actualidade impressionante. De facto, conheço muitos jovens e crianças que ainda agora fazem como fazia aquela rapariga.
Chamava-se Elvira. Frequentava uma escola do magistério primário. Era pobre. Só poderia continuar os estudos se tivesse uma média alta. Ela tinha uma fé forte. O seu professor de Filosofia era ateu, de modo que, bastantes vezes, apresentava as verdades sobre Cristo e sobre a Igreja de uma maneira desfocada, quando não era mesmo deformada. O coração da rapariga fervia. Não por si, mas pelo amor a Deus, à verdade e às suas colegas. Apesar de saber bem que, contrariando o professor, poderia ter uma nota baixa, aquilo que ela sentia era mais forte do que ela. Em todas as ocasiões levantava a mão, pedindo a palavra: «Não é verdade, professor». Talvez não tivesse, algumas vezes, todos os argumentos para se opor às ideias do professor, mas naquele «não é verdade» estava a sua fé, que é uma oferta da verdade e faz pensar.
As colegas, que gostavam dela, procuravam dissuadi-la das suas intervenções para que não fosse depois prejudicada. Mas não conseguiam.
Passaram-se alguns meses. Chegou o momento de se afixarem as notas. A rapariga olhou a tremer. Depois, uma onda de alegria: obtivera a nota máxima!
Tinha procurado, acima de tudo, que Deus e a Sua Verdade reinassem, e o resto tinha vindo por acréscimo.

«Procurai primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo».

Se cada um de nós procurar o reino do Pai, poderá experimentar que Deus é Providência em todas as exigências da nossa vida. Descobriremos como são normais todas as coisas extraordinárias do Evangelho.

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Maio de 1979, publicada em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. II, Città Nuova, Roma 1982. pp. 11-13.

sábado, 1 de agosto de 2009

Palavra de Vida - Agosto

«Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» [Jo 13, 1] (1)

Quando é que o Evangelho apresenta esta frase? O evangelista João escreveu-a referindo-se ao momento em que Jesus ia lavar os pés aos seus discípulos e se preparava para a sua paixão.
Nos últimos momentos em que viveu com os seus, Jesus manifestou de modo supremo e mais explícito o amor que desde sempre nutria por eles.

«Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim».

As palavras «até ao fim» significam: até ao fim da sua vida, até ao seu último sopro de vida. Mas também existe nelas a ideia da perfeição. Querem dizer: amou-os completamente, totalmente, com uma intensidade extrema, até ao máximo.
Os discípulos de Jesus irão permanecer no mundo, enquanto Jesus vai para o Céu. Sentir-se-ão sós, terão que vencer muitas provas. É precisamente por causa desses momentos que Jesus quer dar-lhes a certeza do seu amor.

«Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim».

Não sentimos, também nós, nesta frase, o estilo de vida de Cristo, o seu modo de amar? Lavou os pés aos discípulos. O seu amor levou-o até ao ponto de fazer esse serviço que, naquele tempo, era reservado aos escravos. Jesus estava a preparar-se para a tragédia do Calvário, para dar aos «seus» e a todos, além das suas extraordinárias palavras, além dos seus próprios milagres, além de todas as suas obras, também a vida. Eles tinham necessidade dela, a maior necessidade que uma pessoa pode ter: a de ser libertada do pecado, ou seja, da morte, e poder entrar no Reino dos Céus. Deviam ter paz e alegria na Vida que nunca acabará. E Jesus entregou-se à morte, gritando o abandono do Pai, até ao ponto de, no fim, poder dizer: «Tudo está consumado».

«Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim».

Encontramos nestas palavras a tenacidade do amor de um Deus e a doçura do afecto de um irmão. Também nós, cristãos, podemos amar assim, porque Cristo está em nós.
Mas eu não pretendo propor que imitemos Jesus a morrer (quando chegou a sua hora) pelos outros. Não quero apresentar, necessariamente, como modelos, o Padre Kolbe, que morreu em substituição de um irmão prisioneiro, nem o Padre Damião, que, tendo-se tornado leproso com os leprosos, morreu com eles e por eles.
Pode acontecer que nunca, no decurso dos anos, nos seja pedido para oferecermos a nossa vida física pelos irmãos. Porém, aquilo que Deus nos pede, com certeza, é que os amemos profundamente, até ao fim, até ao ponto de podermos também dizer: «Tudo está consumado».
Foi o que aconteceu com a pequena Cetti, de 11 anos, de uma cidade italiana. Viu a sua amiguinha e colega Georgina, da mesma idade, muito triste. Quis tranquilizá-la, mas não conseguiu. Quis então ir até às últimas consequências e saber o motivo da sua angústia. Tinha-lhe morrido o pai, e a mãe deixara-a sozinha com a avó, tendo ido viver com outro homem. A Cetti pressente a tragédia e põe-se em acção. Embora pequena, pergunta à colega se pode falar com a sua mãe, mas a Georgina pede-lhe para a acompanhar primeiro à campa do pai. A Cetti segue-a com um amor muito grande e ouve a Georgina, em pranto, a implorar ao pai para a vir buscar.
O coração da Cetti ficou despedaçado. Havia ali uma pequena igreja meia destruí-da, e entraram. A única coisa intacta era um pequeno tabernáculo e um crucifixo. A Cetti disse: «Olha, tudo vai acabar por ficar destruído neste mundo; mas aquele crucifixo e aquele tabernáculo hão-de permanecer!». A Georgina, enxugando as lágrimas, respondeu: «Sim, tu tens razão!». Depois, delicadamente, a Cetti agarrou na mão da Georgina e acompanhou-a a casa da mãe dela. Quando lá chegaram, com muita decisão, dirigiu-lhe estas palavras: «Olhe, minha senhora, estas coisas não me dizem respeito. Mas eu só lhe quero dizer que a senhora deixou a sua filha sem o afecto materno de que ela tanto precisa. E digo-lhe mais uma coisa: a senhora nunca mais se vai sentir em paz, enquanto não a levar consigo e não se arrepender».
No dia seguinte a Cetti apoiou com amor a Georgina, quando a encontrou na escola. Mas eis um facto novo: um carro veio buscar a Georgina – quem estava ao volante era a mãe. E, daquele dia em diante, o carro voltou sempre, porque agora a Georgina vive com a sua mãe, que abandonou de-ci-didamente a amizade com aquele homem.
Sobre a pequena e grande acção da Cetti pode-se dizer: «Tudo está consumado». Fez bem todas as coisas. Até às últimas consequências. E teve êxito.
Pensemos nisto. Quantas vezes começámos a interessar-nos por uma pessoa, e depois abandonámo-la, enganando a nossa consciência com mil e uma desculpas? Quantas acções já iniciámos com entusiasmo, mas depois desistimos diante de dificuldades que pareciam superiores às nossas forças?
A lição que hoje Jesus nos dá é esta:

«Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim».

Façamos o mesmo.
E se um dia Deus nos pedir realmente a vida a sério, não hesitaremos. Os mártires iam ao encontro da morte a cantar. E o prémio será a maior glória. Porque Jesus disse que ninguém no mundo tem maior amor do que aquele que derrama o seu sangue pelos seus amigos.


Chiara Lubich


1) Palavra de Vida, Abril de 1979, publicada em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Città Nuova, Roma 1980, pp. 203-206.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Palavra de Vida - Julho

«Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói» [Lc 12, 33]. (1)

Se és jovem e anseias por uma vida ideal, realizada, radical, ouve Jesus. Ninguém no mundo te pede tanto. Tens a oportunidade de demonstrar a tua fé e a tua generosidade, o teu heroísmo.
Se és adulto e queres uma existência séria, empenhada, mas segura; ou, se já tens uma certa idade e desejas viver os teus últimos anos abandonado em Quem não engana, sem preocupações que te consumam, esta Palavra de Jesus é válida para todos.
De facto, ela conclui uma série de exortações com que Jesus nos convida a não nos preocuparmos com aquilo que havemos de comer ou vestir, exactamente como fazem os passarinhos, que não semeiam, e os lírios do campo, que não fiam. Por isso, devemos excluir do coração toda a ansiedade pelas coisas da Terra, porque o Pai ama-nos mais do que aos passarinhos e às flores, e Ele próprio pensa em cada um de nós.
Por isso nos diz:


«Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói».

O Evangelho, no seu conjunto e em cada uma das suas palavras, exige realmente tudo o que as pessoas são e possuem. Deus não pedia tanto, antes da vinda de Cristo. O Antigo Testamento considerava a riqueza terrena como um bem, uma bênção de Deus. E, se pedia que se desse esmola aos necessitados, era para se obter benevolência do Omnipotente.
Mais tarde, o pensamento da recompensa no Além tornou-se mais comum no judaísmo. Um rei respondeu a alguém que o criticava por esbanjar os seus bens: «Os meus antepassados acumularam tesouros aqui na Terra. Eu, pelo contrário, acumulei tesouros lá no Céu». (…).
Ora, a originalidade da palavra de Jesus está no facto de que Ele nos pede uma doação total, pede-nos tudo. Quer que sejamos filhos despreocupados, que não andemos atarefados com as coisas do mundo, filhos que dependam simplesmente d’Ele. Ele sabe que a riqueza é um enorme obstáculo para nós, porque ocupa o nosso coração. E Deus quer que Lhe deixemos todo o espaço para Ele.
Por isso recomenda:


«Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói».

Se não pudermos desfazer-nos dos bens materialmente, porque estamos ligados a outras pessoas, ou porque a posição que ocupamos nos obriga a uma situação digna e adequada, temos que nos desapegar dos bens espiritualmente e agir, em relação a eles, como simples administradores. Assim, se enquanto lidarmos com a riqueza amarmos os outros, administrando-a para eles, preparamos para nós um tesouro que a traça não rói e o ladrão não leva consigo.
Mas será que devemos mesmo conservar tudo o que possuímos?
Escutemos a voz de Deus dentro de nós. É bom pedir um conselho se não conseguirmos decidir. Vamos encontrar uma quantidade de coisas supérfluas no meio das coisas que temos. Não fiquemos com elas. Temos que as dar. Dar a quem não tem. Assim pomos em prática a palavra de Jesus: «Vende… e dá». Deste modo vamos encher bolsas que não envelhecem.
Evidentemente que, para viver no mundo, é necessário interessar-se por dinheiro e pelas coisas. Mas Deus quer que nos ocupemos, e não que nos preocupemos. Conservemos apenas aquele mínimo que é indispensável para viver segundo o nosso estado, segundo a nossa condição. Quanto ao resto:


«Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói».


Paulo VI era realmente pobre. Testemunha-o o modo como quis ser sepultado: num pobre caixão, na terra. Pouco antes de morrer, tinha dito ao seu irmão: «Já há algum tempo que fiz as malas para aquela importante viagem».
É isto o que devemos fazer: fazer as malas.
No tempo de Jesus chamavam-se bolsas. Façamo-las dia após dia. Enchamo-las o mais que pudermos com aquilo que pode ser útil aos outros. Havemos de ter unicamente aquilo que dermos. Se pensarmos em toda a fome que há no mundo... Quanto sofrimento... Quantas necessidades…
Podemos pôr lá dentro, também, todos os actos de amor, todas as obras em favor dos irmãos.
Façamos estas acções por Ele. Digamos-Lhe, no nosso coração: para Ti. E executemo-las bem, com perfeição. Destinam-se ao Céu: permanecerão eternamente.


Chiara Lubich


1) Palavra de Vida, Março de 1979, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Città Nuova, Roma 1980, pp. 189-191.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Palavra de Vida - Junho - com fotografias

Para os mais jovens aqui fica a Palavra de Vida deste mês - adaptação ao comentário de Chiara Lubich - ilustrada com fotografias. Pode fazer-se o download para o computador ou clicar em cima para ver a imagem maior.

Palavra de Vida - Junho

«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer» [Jo 15, 5]. (1)

Imaginemos um ramo separado da videira... Já não tem futuro, já não tem qualquer esperança, não tem fecundidade. Só lhe resta secar e ser queimado.
Imaginemos agora a que morte espiritual estamos destinados, como cristãos, se não estivermos unidos a Cristo. É assustador! É a completa esterilidade, mesmo que trabalhemos como mouros de manhã à noite, ou pensemos que estamos a servir a humanidade. Ou mesmo que os amigos nos aplaudam, e os bens terrenos se multipliquem ou façamos sacrifícios incríveis. Tudo isso pode ter um significado para nós, aqui na Terra, mas, para Cristo e para a eternidade, de nada vale. E é essa a vida mais importante.

«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer».

Como podemos permanecer em Cristo e Cristo permanecer em nós? Como podemos ser um ramo verde e viçoso que faça parte da videira? Antes de mais, é preciso acreditarmos em Cristo. Mas isso não basta. A nossa fé deve ter influência na dimensão concreta da vida. Isto é, temos que viver de acordo com a fé, pondo em prática as palavras de Jesus. Por isso, não podemos desprezar os meios divinos que Cristo nos deixou, através dos quais obtemos ou readquirimos a unidade com Ele, no caso de a termos perdido. Além disso, Cristo não nos considera bem ligados a Ele se não nos esforçarmos por estar inseridos na comunidade eclesial, na nossa Igreja local.

«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer».

«Quem permanece em Mim e eu nele». Já repararam que Cristo fala da nossa unidade pessoal com Ele, mas também da Sua unidade pessoal connosco? Se estivermos unidos a Ele, Ele estará em nós, no íntimo do nosso coração. Nasce assim uma relação e um colóquio de amor recíproco, uma colaboração entre Jesus e nós, seus discípulos. E as consequências vão ser: dar muito fruto. Precisamente como um ramo bem unido produz cachos saborosos. "Muito fruto", significa que nos será dada uma verdadeira fecundidade apostólica, isto é, uma capacidade de abrir os olhos de muitos às palavras únicas e revolucionárias de Cristo, e estaremos em condições de lhes dar a força para as seguirem. "Muito fruto" significa ainda que saberemos suscitar ou até edificar obras, pequenas ou grandes, para diminuir as mais variadas necessidades do mundo, segundo os talentos que Deus nos der. "Muito fruto" significa "muito", não "pouco". E isso pode querer dizer que saberemos criar na humanidade que nos circunda uma corrente de bondade, de comunhão, de amor recíproco.

«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer».

Mas "muito fruto" não significa só o bem espiritual e material dos outros. Significa também o nosso, de cada um. O facto de crescermos interiormente, de nos santificarmos pessoalmente, depende também da nossa união com Cristo. Santificarmo-nos. Talvez essa palavra, nos tempos que correm, pareça um anacronismo, uma inutilidade ou uma utopia. Mas não. A nossa época presente vai passar e com ela as opiniões parciais, erradas, contingentes. Permanece a verdade. Há dois mil anos, Paulo, o Apóstolo, dizia claramente que é vontade de Deus para todos os cristãos a santificação. Santa Teresa d'Ávila, doutora da Igreja, tinha a certeza que toda a gente, até qualquer pessoa da rua, podia chegar à mais alta contemplação. O Concílio Vaticano II afirma que todo o povo de Deus é chamado à santidade. São opiniões seguras.
Procuremos então produzir, também na nossa vida, o "muito fruto" da santificação, que só será possível se estivermos unidos a Cristo.

«Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer».

Repararam que Jesus não nos pede directamente o fruto, mas vê-o como consequência do permanecermos unidos a Ele? Até nos pode acontecer cair no erro em que muitos cristãos se encontram: activismo, activismo, obras, obras para o bem dos outros... sem se ter tempo de verificar se em tudo e para tudo se está unido a Cristo.
É um erro. Pensa-se que se dá fruto, mas não é aquele fruto que Cristo em nós, Cristo connosco, poderia dar. Para dar frutos duradoiros, com um timbre divino, é preciso permanecermos unidos a Cristo. Quanto mais unidos a Cristo estivermos, mais frutos produzimos.
Além disso, o verbo "permanecer", que Jesus usa, mais do que referir-se a alguns momentos em que se produzem frutos, dá a ideia de um estado permanente de fecundidade. Realmente, se conhecermos pessoas que vivem assim, verificamos que elas, talvez só com um simples sorriso, com uma palavra, com o comportamento habitual do dia-a-dia, com a sua atitude perante as várias situações da vida, impressionam de tal forma os outros, que os levam, muitas vezes, a reencontrarem-se com Deus. Foi o que se passou com os santos. Mas não nos devemos desencorajar. Até os cristãos comuns podem dar frutos.
Dou-vos um exemplo. Passa-se em Portugal. Todos sabemos que o mundo estudantil está muito influenciado pela política e há pouco espaço para quem queira tornar-se útil à humanidade, movido por outros motivos.
A Maria do Socorro, acabado o secundário, entrou na universidade. O ambiente é difícil. Muitos dos seus colegas lutam, seguindo a própria ideologia e cada um procura arrastar atrás de si os estudantes que ainda não se pronunciaram.
A Maria sabe bem que caminho seguir, embora não seja fácil de explicar: seguir Jesus e permanecer unida a Ele. Os seus colegas, que não conhecem nada das suas ideias, consideram-na amorfa, sem ideias. Houve momentos em que experimentou o respeito humano, sobretudo ao entrar na igreja. Mas continuou a ir lá, porque sentia que devia permanecer unida a Jesus.
Aproxima-se o Natal. A Maria dá-se conta de que há entre eles alguns que não podem ir a casa, porque são de muito longe e propõe, aos outros colegas, darem uma prenda aos que não iam a casa. Com grande surpresa, todos aceitaram imediatamente. Mais tarde, vieram as eleições e outra grande admiração: foi eleita, precisamente ela, para representante do seu curso. Mas o espanto foi ainda maior quando ouviu dizer: «É lógico que tenhas sido eleita tu, porque és a única que tem uma linha precisa, que sabe aquilo que quer e o que fazer para o realizar». Alguns dos seus colegas interessaram-se pelo seu ideal e querem viver como ela. Foi um bom fruto da perseverança da Maria do Socorro em permanecer unida a Jesus.

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Fevereiro de 1979, publicada em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Città Nuova, Roma 1980, pp. 175-178.

domingo, 3 de maio de 2009

Palavra de Vida - Maio - com fotografias


Para os mais jovens aqui fica a Palavra de Vida deste mês - adaptação ao comentário de Chiara Lubich - ilustrada com fotografias. Pode fazer-se o download para o computador ou clicar em cima para ver a imagem maior.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Palavra de Vida - Maio

«Como bons administradores das várias graças de Deus, cada um de vós ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu» [1 Pe 4, 10]. (1)

A Edite, cega de nascença, vive, com outras invisuais, numa casa cujo capelão já não pode celebrar a Missa, pois ficou paralisado das pernas. Por esse motivo, foi decidido tirar-se Jesus Eucaristia da casa. A Edite apelou ao bispo, para que O deixassem ficar, pois era a única luz nas trevas em que vivem. Obteve a autorização e também a licença para ser ela mesma a distribuir a Comunhão, às suas colegas e ao capelão.
Desejosa de ser útil aos outros, a Edite conseguiu também ter à sua disposição, durante algumas horas, o tempo de emissão de uma estação particular de rádio. Serve-se dele para oferecer aquilo que tem de melhor: conselhos, pensamentos válidos, esclarecimentos morais. Conforta, com a sua experiência, aqueles que sofrem. A Edite... e poderia contar mais coisas sobre ela. E é cega, mas o sofrimento iluminou-a.
Mas quantos outros exemplos teria para vos contar! O bem existe e não faz barulho. A Edite, no fundo, vive simplesmente como cristã: sabe que cada um de nós recebeu alguns talentos e pode pô-los ao serviço dos outros.
Sim, porque por “talento” ou “dom” (ou “carisma”, como se costuma dizer, usando a palavra grega) não se entende só aquelas graças com que Deus enriquece as pessoas que devem governar a Igreja. Nem sequer são apenas aqueles dons extraordinários que Ele manda directamente a um ou outro fiel, para o bem de todos, quando considera que é necessário remediar, na Igreja, situações excepcionais ou perigos graves, para os quais não são suficientes as instituições eclesiásticas. São exemplos destes a sabedoria, a ciência, o dom dos milagres, falar línguas, o carisma de suscitar uma nova espiritualidade na Igreja e outros ainda.
Mas dons, ou carismas, podem ser qualidades mais simples, que muitas pessoas possuem e que se notam só pelo bem que produzem. O Espírito Santo trabalha. Além disso, também se podem chamar dons ou carismas aos talentos naturais. Portanto, toda a gente é dotada. Também cada um de nós.
E que uso lhes devemos dar? Temos que pensar como fazê-los render. Foram-nos dados, não para nós próprios, mas precisamente para o bem de todos.

«Como bons administradores das várias graças de Deus, cada um de vós ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu».

É muito grande a variedade dos dons. Cada um de nós tem o seu e, por isso, tem uma função específica na comunidade. E qual será o caso pessoal de cada um?
Tens algum diploma? Nunca pensaste em pôr à disposição, de quem não sabe ou que não tem meios para estudar, algumas horas semanais de ensinamento?
Tens um coração particularmente generoso? Nunca pensaste em mobilizar forças ainda válidas em favor de gente pobre ou marginalizada, ressuscitando assim, no coração de muitos, o sentido da dignidade do homem?
(...)
Tens dotes particulares para confortar o próximo? Ou para arrumar a casa, para cozinhar, para fazer vestuário útil com pouco dinheiro, ou para trabalhos manuais? Olha ao teu redor e vê quem precisa de ti.
Sinto muita pena quando vejo que há gente que procura e ensina a preencher o “tempo livre”. Nós, cristãos, não temos tempo livre enquanto houver sobre a Terra um doente, um faminto, um prisioneiro, um ignorante, alguém com dúvidas ou triste, um drogado, (...) um órfão, uma viúva...
E não acham que a oração é um dom formidável que podemos utilizar, já que a todo o momento nos podemos dirigir a Deus, presente em toda a parte?
(...)

«Como bons administradores das várias graças de Deus, cada um de vós ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu».

Imaginem agora a Igreja em que todos os cristãos, crianças e adultos, fazem tudo o que podem para pôr à disposição dos outros os seus dons?
O amor recíproco adquiriria uma tal consistência, uma tal amplitude e relevo, que (...) poderiam reconhecer, através dele, os discípulos de Cristo.
(...)
E, então, se o resultado era esse, por que motivo não fazemos tudo o que está ao nosso alcance para o conseguir?

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Janeiro de 1979, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Roma 1980, pp. 157-159.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Palavra de Vida - Abril - com fotografias

Para os mais jovens aqui fica a Palavra de Vida deste mês -adaptação ao comentário de Chiara Lubich - ilustrada com fotografias. Pode fazer-se o download para o computador ou clicar em cima para ver a imagem maior.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Palavra de Vida - Abril

«Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor»
[Mt 24, 42]. (1)

Já repararam que, em geral, nós não vivemos a vida? Arrastamo-la, à espera de um "mais tarde", em que talvez cheguem "dias melhores".
É verdade que há-de vir um futuro melhor, mas não é aquele que imaginamos. Temos um instinto divino que nos leva a esperar alguém ou qualquer coisa que nos possa satisfazer.
E sonhamos talvez com um dia feriado, ou em ter tempo livre, ou com um encontro especial, depois dos quais não ficamos satisfeitos, totalmente sa-tisfeitos. E voltamos à rotina de uma existência que não se vive com convicção. Está-se sempre à espera.
O facto é que, entre os elementos que compõem a vida de cada pessoa, existe um a que ninguém pode escapar: é o encontro pessoal com o Senhor que vem. São esses os "dias melhores" para os quais inconscientemente tendemos, porque somos feitos para a felicidade. Porque só Deus nos pode dar a felicidade total.
E Jesus, sabendo muito bem que todos andamos cegamente à procura da felicidade, avisa-nos:


«Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».


Vigiar. Estar atentos. Estar acordados. Porque há muitas coisas de que não temos a certeza neste mundo. Mas de uma, realmente, não há dúvida: um dia vamos morrer. E isto, para o cristão, significa apresentar-se diante de Cristo que vem.
Pode acontecer que também nós sejamos como a maioria das pessoas: fazemos por esquecer a morte, voluntariamente, de propósito. Temos medo daquele momento e vivemos como se não existisse. Queremos afirmar com a nossa vida terrena, enraizando-nos cada vez mais nela, que a morte nos assusta, e, portanto, não existe. Mas aquele momento vai chegar. Porque Cristo virá certamente.


«Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».


Com estas palavras, Jesus refere-se à Sua vinda no último dia. Tal como subiu ao Céu, quando estava no meio dos apóstolos, assim há-de voltar.
Mas estas palavras querem dizer também a vinda do Senhor no fim da vida de cada pessoa. De facto, quando uma pessoa morre, para ela o mundo acabou. E já que não sabemos se Cristo vem hoje, esta noite, amanhã, ou dentro de um ano ou mais, temos que vigiar. Precisamente como aqueles que estão alerta, porque sabem que os ladrões vão vir esvaziar-lhes a casa, mas não sabem a que horas vão chegar. E se Jesus vem, quer dizer que esta vida é passageira. Mas, se o é, em vez de a desvalorizarmos, devemos dar-lhe a máxima importância. Temos que nos preparar para aquele encontro com uma vida digna.
(...)


«Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».


É mesmo necessário que cada um vigie. A nossa vida não é simplesmente uma pacífica sucessão de actos. É também uma luta. E as mais variadas tentações, como as sexuais, as da vaidade, do apego ao dinheiro, da violência, são os nossos primeiros inimigos.
Se vigiarmos sempre, não nos deixamos apanhar de surpresa. Mas vigia bem quem ama. É próprio do amor vigiar.
Quando se ama uma pessoa, o coração vigia sempre à sua espera e, cada minuto que passa sem ela, é vivido em função dela. Assim faz uma esposa apaixonada quando trabalha ou prepara aquilo que poderá servir ao seu esposo ausente: faz cada coisa a pensar nele. E, quando ele chega, na sua saudação exultante está todo o alegre trabalho do dia.
Assim faz uma mãe quando tem um pequeno intervalo para repousar, durante a assistência ao seu filhinho doente. Dorme, mas o seu coração vigia.
Assim age quem ama Jesus. Faz tudo em função d'Ele, que encontra nas manifestações mais simples da Sua vontade em cada momento, e encontrará solenemente no dia em que Ele vier.
Estávamos a 3 de Novembro de 1974. Tinha terminado, em Santa Maria, no sul do Brasil, um encontro espiritual com 250 jovens, e a maioria vinha da cidade de Pelotas.
O primeiro autocarro, com 45 pessoas, começa a sair: muitas canções, muita alegria. A um certo ponto, durante a viagem, algumas jovens rezam juntas os mistérios dolorosos do terço e pedem a Nossa Senhora a fidelidade a Deus, até à morte. Numa curva, devido a uma avaria mecânica, o autocarro precipita-se num barranco de cerca de cinquenta metros, virando-se três vezes. Morreram seis raparigas.
Uma das sobreviventes disse: «Vi a morte de perto, mas não tive medo porque Deus estava ali». Uma outra: «Quando percebi que podia mexer-me, no meio dos destroços, olhei para o céu estrelado e, ajoelhada entre os corpos das minhas companheiras, rezei. Deus estava ali, perto de nós...». O pai da Carmen Regina, uma das vítimas, contou que a filha repetia muitas vezes: «É bonito morrer, papá, porque vamos ficar perto de Jesus».


«Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor».


As jovens de Pelotas, porque amavam, vigiavam, e, quando o Senhor veio, foram ao Seu encontro com alegria.


Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Dezembro de 1978, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Roma 1980, pp. 137-140.

domingo, 1 de março de 2009

Palavra de Vida - Março

«Se pedirdes alguma coisa ao Pai em Meu nome, Ele vo-la dará»
[Jo 16, 23]. (1)

Que vos parece?

O mais absurdo espectáculo a que podemos assistir neste mundo é, por um lado, a presença de pessoas à deriva, sempre à procura de qualquer coisa e que, nas inevitáveis provações da vida, sentem a angústia, a necessidade de ajuda e a sensação de orfandade; e, por outro lado, a realidade de Deus, Pai de todos, que outra coisa não deseja senão usar da Sua omnipotência para satisfazer os desejos e as necessidades dos Seus filhos.

É como um vazio que requer uma plenitude. É como uma plenitude que requer um vazio. Mas que não se encontram.

A liberdade de que o homem é dotado pode provocar também este dano.

Mas Deus não cessa de ser Amor para aqueles que O reconhecem.

Oiçamos o que diz Jesus:

«Se pedirdes alguma coisa ao Pai em Meu nome, Ele vo-la dará».

Estamos perante uma daquelas palavras ricas de promessas que Jesus repete de vez em quando no Evangelho. Através delas ensina-nos, com tonalidades e explicações variadas, como obter aquilo de que precisamos.

(…)

Só Deus pode falar assim. As Suas possibilidades não têm limites. Todas as graças estão em Seu poder: as graças terrenas, as graças espirituais, as possíveis e as impossíveis. Mas temos que ouvir com atenção.

Ele sugere-nos “como” nos devemos apresentar ao Pai para fazer o nosso pedido. «Em Meu nome», diz.

Se tivermos um pouco de fé, estas palavras podem dar-nos asas.

No fundo, Jesus, que viveu aqui na Terra connosco, tem pena de nós. Ele conhece as infinitas necessidades que nós temos, que cada um tem. E então, em tudo aquilo que se refere à oração, interessou-se Ele directamente e é como se nos dissesse: «Vai ter com o Pai em Meu nome e pede-Lhe isto, e mais aquilo, e mais aquilo». Ele sabe que o Pai não pode dizer-Lhe que não. Ele é o Seu Filho e é Deus.

Não vamos ter com o Pai em nosso nome, mas em nome de Cristo. Lembram-se do provérbio: «Quem é mensageiro não merece castigo»?

Nós, indo ter com o Pai em nome de Cristo, funcionamos como um simples mensageiro. Os negócios resolvem-se entre os dois interessados.

É assim que rezam muitíssimos cristãos que poderiam testemunhar-nos as graças sem número que receberam. Essas graças revelam, quotidianamente, que sobre eles vigia atenta e amorosamente a paternidade de Deus.

«Se pedirdes alguma coisa ao Pai em Meu nome, Ele vo-la dará».

A este ponto pode ser que alguém me diga: «Eu já pedi, pedi até no nome de Cristo, mas não recebi nada».

Pode acontecer. Eu disse já que Jesus, noutros passos do Evangelho, convida a pedir e dá em seguida explicações, que talvez nos tenham escapado.

Ele diz, por exemplo, que recebem, aqueles que «permanecem» n’Ele – quer dizer, na Sua vontade.

(…)

Ora, pode ser que tenhamos pedido uma coisa que não esteja de acordo com o desígnio que Deus tem sobre nós e Deus não considera útil à nossa existência nesta Terra ou na Outra vida, ou ache até prejudicial.

Como poderia Ele, que é nosso Pai, atender-nos nesses casos? Estaria a enganar-nos. E isso Ele nunca vai fazer. Então será melhor que, antes de rezarmos, combinemos com Ele e Lhe digamos: «Pai, eu gostaria de Te pedir isto em nome de Jesus, se Te parecer oportuno». E, se a graça pedida se conciliar com o plano que Deus, no seu Amor, pensou para nós, realizar-se-á a Palavra:

«Se pedirdes alguma coisa ao Pai em Meu nome, Ele vo-la dará».

Pode acontecer também que peçamos graças, mas não tenhamos a mínima intenção de adequar a nossa vida àquilo que Deus pede.

Também neste caso, achavam justo que Deus nos atendesse? Ele não nos quer dar simplesmente um presente, quer oferecer-nos a felicidade total. E esta obtém-se procurando viver os mandamentos de Deus, as Suas Palavras. Não basta só pensar nelas, nem limitar-se a meditá-las. É necessário vivê-las.

Se assim fizermos, havemos de obter tudo.

Concluindo: queremos obter graças? Podemos pedir tudo o que quisermos, em nome de Cristo, se fixarmos antes de mais a nossa atenção na Sua vontade, com a decisão de obedecer à lei de Deus. Deus fica felicíssimo por nos dar graças. Infelizmente, na maioria das vezes somos nós que Lhe fechamos as nossas mãos.

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Novembro de 1978, publicada integralmente em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Roma 1980, pp. 123-126.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Palavra de Vida - Fevereiro

«Se alguém vem ter Comigo e não Me prefere a seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs, e até à própria vida, não pode ser Meu discípulo» [Lc 14, 26]. (1)

Que vos parece? São palavras tremendamente exigentes, radicais, inéditas! No entanto, aquele Jesus que declarou indissolúvel o matrimónio e deu o mandamento de amar a todos, e, portanto, de amar especialmente os pais, aquele mesmo Jesus pede agora que se ponham em segundo lugar todos os afectos belos da Terra, sempre que forem um impedimento ao amor directo, imediato a Ele. Só Deus podia pedir tanto.
Na verdade, Jesus desenraíza as pessoas do seu modo natural de viver e quere-as ligadas, antes de mais, a Ele, para realizar na Terra a fraternidade universal.
Por isso, onde quer que encontre um obstáculo ao seu projecto, Deus “corta”, e no Evangelho Jesus fala de «espada», espiritual, claro.
E chama «mortos» àqueles que não O souberem amar mais do que à mãe, à esposa, à vida. Lembram-
-se daquele homem que pediu para sepultar o pai antes de O seguir? Foi a ele que Jesus respondeu: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos» (2).
Perante uma tão grande exigência, podemos sentir um arrepio de medo, ou pensar que estas palavras de Jesus só eram compreensíveis naquela época, ou por aqueles que O seguissem de um modo especial.
Mas não é assim. Esta frase é válida para todas as épocas, e também para os dias de hoje. E vale para todos os cristãos, também para nós.
Nos tempos que correm podem surgir muitas ocasiões para pôr em prática o convite de Cristo.
Vives numa família onde há alguém que contesta o cristianismo? Jesus quer que tu o testemunhes com a vida e, no momento oportuno, com a palavra, mesmo à custa de seres ridicularizado ou caluniado.
És mãe e o teu marido convida-te a interromper a gravidez? Obedece a Deus, e não aos homens.
Um irmão teu quer que te juntes a um grupo com fins pouco claros, ou mesmo reprováveis? Não te deixes envolver. Há alguém da tua família que te convida a arranjar dinheiro pouco limpo? Mantém a tua honestidade. Toda a tua família quer arrastar-te para uma vida mundana? Não vás, para que Cristo não se afaste de ti.

«Se alguém vem ter Comigo e não Me prefere a seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs, e até à própria vida, não pode ser Meu discípulo».

Pertencias a uma família descrente e a tua conversão a Cristo causou a divisão? Não te assustes. É um efeito do Evangelho.
Oferece a Deus o sofrimento que sentes no coração por aqueles que amas, mas não cedas.
Cristo chamou-te a Si de um modo especial, e agora chegou o momento em que a tua doação total exige que deixes o pai e a mãe, ou talvez que renuncies à namorada.
Faz a tua escolha.
Sem combate, não há vitória.

«Se alguém vem ter Comigo e não Me prefere a seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs, e até à própria vida, não pode ser Meu discípulo».

«… e até à própria vida».
Vives num lugar de perseguição e o facto de te expores por Cristo põe em perigo a tua vida? Coragem. Às vezes a nossa fé pode pedir também isto. Na Igreja, a época dos mártires nunca acabou completamente.
Cada um de nós, ao longo da sua vida, há-de ter que escolher entre Cristo e tudo o resto, para permanecer um cristão autêntico. Portanto, também para ti há-de chegar esse momento.
Não tenhas medo. Não receies perder a vida, porque mais vale perdê-la por Deus do que nunca mais a encontrar. A outra Vida é uma realidade.
E não te aflijas com os teus familiares. Deus ama-os. Se tu O souberes preferir a eles, chegará o dia em que Deus há-de passar por eles para os chamar com as palavras fortes do Seu Amor. E tu poderás então ajudá-los a tornarem-se, também, verdadeiros discípulos de Cristo.

Chiara Lubich


1) Palavra de Vida, Outubro de 1978, publicada em Essere la Tua Parola. Chiara Lubich e cristiani di tutto il mondo, vol. I, Roma 1980, pp. 111-113; 2) Lc 9, 60.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Palavra de Vida - Janeiro - com fotografias

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Palavra de Vida - Janeiro

«Há, pois, muitos membros, mas um só corpo» [1 Cor 12, 20]. (1)

Por acaso já estiveram alguma vez em contacto com uma comunidade viva de cristãos, de cristãos autênticos? Nunca assistiram a uma reunião destes cristãos? Já tentaram compreender a vida deles?
Se já, devem ter reparado que, entre aqueles que a constituem, existem muitas funções: há os que têm o dom da palavra e conseguem comunicar realidades espirituais de uma forma que nos toca profundamente. Há aqueles que têm o dom de ajudar, de dar assistência, de ir ao encontro das necessidades dos outros e nos deixam admirados com aquilo que conseguem, em benefício de quem sofre. Há quem saiba ensinar com uma tal sabedoria que infunde uma nova força na fé que já possuímos. Uns, têm a arte de organizar, outros, de governar. Há aqueles que sabem compreender as pessoas com quem contactam e distribuem consolação aos corações atribulados.
Sim, podemos experimentar tudo isto, mas aquilo que mais impressiona, numa comunidade realmente viva, é o único espírito que em todos reina e que parece que se sente pairar, e que faz daquela pequena e original sociedade uma coisa só, um único corpo.

«Há, pois, muitos membros, mas um só corpo».

Também S. Paulo, de uma maneira especial, se encontrou diante de comunidades muito vivas, que nasceram precisamente através da sua extraordinária palavra.
Uma destas era a jovem comunidade de Corinto, onde o Espírito Santo não tinha sido parco ao distribuir os seus dons ou carismas, como são chamados. Tanto mais que, naquele tempo, alguns destes se manifestavam de forma extraordinária, por causa da vocação especial da Igreja que estava a nascer.
Mas esta comunidade, depois de fazer a exaltante experiência dos vários dons distribuídos pelo Espírito Santo, conheceu também rivalidades e desavenças, precisamente entre quem tinha recebido esses dons.
Foi então necessário dirigirem-se a S. Paulo, que estava em Éfeso, para lhe pedirem esclarecimentos.
S. Paulo não hesita e responde com uma das suas extraordinárias cartas, explicando como devem ser usadas estas graças especiais.
Ele explica que existe uma diversidade de carismas, uma diversidade de ministérios, como o dos apóstolos, o dos profetas ou o dos mestres, mas que um só é o Senhor de Quem eles provêm. Diz que, na comunidade, existem os que fazem milagres, fazem curas; pessoas com uma aptidão excepcional para dar assistência, outras para o governo. E existem os que sabem falar línguas, e os que as sabem interpretar, mas acrescenta que eles têm origem no mesmo e único Deus.
E, se os vários dons são expressões do mesmo Espírito Santo, que os distribui livremente, então não podem deixar de estar em harmonia entre si, não podem deixar de ser complementares. Eles não são para uso pessoal, nem podem ser motivo de vaidade ou de auto-afirmação, mas foram concedidos para uma finalidade comum: construir a comunidade. A sua finalidade é o serviço. Portanto, não podem gerar rivalidades ou confusão.
S. Paulo, embora se referisse aos dons especiais que se destinavam mais precisamente à vida da comunidade, é da opinião que cada um dos seus membros tem uma capacidade própria, um talento específico, que deve pôr a render para o bem de todos, e que cada um deve estar contente com o seu. Ele apresenta a comunidade como um corpo e interroga-se: «Se o corpo inteiro fosse o olho, o que seria do ouvido? E, se todo ele fosse o ouvido, o que seria do olfacto? Deus, porém, dispôs os membros do corpo, cada um conforme entendeu. Se todos fossem um só membro, que seria do corpo?» (2). Pelo contrário:

«Há, pois, muitos membros, mas um só corpo».

Se cada um é diferente, cada um pode ser uma dádiva para os outros. Deste modo, cada um será o que deve ser, e pode realizar o projecto de Deus sobre si, em relação aos outros. E S. Paulo vê na comunidade, onde os diversos dons actuam, uma realidade a que dá um esplêndido nome: Cristo. O facto é que aquele original corpo que os membros da comunidade compõem é, realmente, o Corpo de Cristo. Pois Cristo continua a viver na sua Igreja, e a Igreja é o seu Corpo. Pelo Baptismo, o Espírito Santo incorpora o crente em Cristo e depois insere-o na comunidade. E nela todos são Cristo: todas as divisões são eliminadas, todas as discriminações ultrapassadas.

«Há, pois, muitos membros, mas um só corpo».

Se o corpo é um só, os membros da comunidade cristã realizam bem o seu novo modo de viver se actuarem entre eles a unidade, aquela unidade que pressupõe a diversidade, o pluralismo. A comunidade não se assemelha a um bloco de matéria inerte, mas a um organismo vivo com vários membros.
Para os cristãos, provocar divisões é o contrário daquilo que devem fazer.

«Há, pois, muitos membros, mas um só corpo».

Como deveremos então viver esta nova Palavra que a Escritura nos propõe?
É preciso que tenhamos muito respeito pelas várias funções, pelos dons e talentos existentes na comunidade cristã.
É necessário dilatar o nosso coração sobre toda a variada riqueza da Igreja, e não apenas a da pequena Igreja que frequentamos e conhecemos melhor – a comunidade paroquial ou a associação cristã a que estamos ligados, ou o Movimento eclesial de que somos membros. Dilatar o coração sobre a Igreja universal, nas suas múltiplas formas e expressões.
Devemos sentir tudo como nosso, porque fazemos parte deste único corpo.
Então, tal como temos em consideração e protegemos cada um dos membros do nosso corpo físico, do mesmo modo devemos fazer também com cada membro do corpo espiritual.
(…) Devemos ter estima por todos, fazer o que pudermos para que todos possam tornar-se úteis à Igreja, do melhor modo possível.
(…) Não devemos desprezar, no entanto, aquilo que Deus nos pede ali onde nos encontramos, por mais monótono e sem significado que possa parecer o nosso trabalho quotidiano. Todos pertencemos a um mesmo corpo e, como membros, cada um participa na actividade do corpo inteiro, permanecendo no lugar que Deus escolheu para ele.
O essencial, além de tudo, é que possuamos aquele carisma que, como anuncia S. Paulo, ultrapassa todos os outros, e que é o Amor: o amor por cada pessoa que encontrarmos, o amor por todas as pessoas da Terra. É com o amor, com o amor recíproco, que os muitos membros podem ser um só corpo (3).

Chiara Lubich

1) Palavra de Vida, Janeiro de 1981; 2) cf. 1 Cor 12, 17-19; 3) A versão integral (da qual, por exigências de espaço, transcrevemos aqui só alguns trechos) está publicada em: Chiara Lubich, Costruire sulla roccia, Roma 1983, pp. 17-21.